Por Victor Emanuel Vilela Barbuy
A Sociedade é – segundo a profunda concepção tradicional, predominante na Grécia, em Roma e na denominada Idade Média – uma hierarquia de Grupos Sociais Naturais, dentre os quais o primeiro e mais fundamental é a Família. Tal concepção é a única concepção verdadeira, posto que, como sublinha Heraldo Barbuy, “repousa na visão do que a sociedade realmente é: repousa na intuição da essência da sociedade”, definida esta pelo insigne pensador patrício como “síntese de grupos naturais” [1].
A Sociedade é, pois, uma hierarquia de Grupos Sociais Naturais, uma síntese de Corpos Intermediários, cuja cellula mater é a Família. Esta é a mais natural das sociedades menores que formam a Sociedade, uma vez que contém, ainda de acordo com a lição do autor de O problema do ser, todos os liames dos demais grupos, além do liame biológico e de uma religiosidade mais estreita que faz da Família Tradicional, antes e acima de tudo, um círculo religioso [2].
Os Grupos Naturais, que encontram sua razão de ser na própria natureza da Pessoa Humana, podem ser resumidos em:
a) Grupo biológico, através do qual o Homem se projeta no tempo – a Família;
b) Grupos religiosos – as igrejas e demais locais de culto em que o Ente Humano eleva suas preces a Deus;
c) Grupos econômicos – associações profissionais voltadas à defesa do Trabalho, que é um direito natural da Pessoa Humana e ao mesmo um dever desta para o engrandecimento do Bem Comum – Corporações, Sindicatos etc.;
d) Grupos políticos – o Município e a Nação;
e) Grupos educacionais e culturais – escolas, universidades, academias, instituições culturais.
A respeito dos grupos religiosos, econômicos, educacionais e culturais julgamos não ser necessário discorrer mais, de modo que retornaremos ao grupo biológico e, em seguida, cuidaremos dos grupos políticos e, por fim, do Estado, que não é um Grupo Natural, mas sim a síntese espontânea dos Grupos Naturais.
A Família é, no dizer de Plínio Salgado, “o Grupo-Síntese que oferece ao Estado o sentido dos lineamentos exatos” [3], posto que é a Família a força moral em que o Estado Ético-Integral deve ir buscar a sua força, de modo que não há Estado Ético sem Família [4].
No chamado Manifesto de Outubro, mais fundamental documento do Integralismo, Plínio Salgado pondera que o Homem e a Família precederam o Estado, que deve ser forte para manter sua integridade, posto que é a Família quem cria as virtudes que consolidam o Estado, sendo o próprio Estado “uma grande família, um conjunto de famílias” [5].
Podemos dizer que um dos mais graves erros do individualismo liberal e do coletivismo comunista foi o de não considerar os Grupos Naturais em geral e a Família em particular, concebendo, os individualistas, a Sociedade como mera soma de indivíduos, e os coletivistas, como simples massa social. Cumpre ressaltar, com efeito, que os individualistas e os coletivistas, criando, respectivamente, o Monstro Indivíduo e o Monstro Sociedade ou Monstro Estado, não apenas desconsideraram a existência dos Grupos Naturais, como também os combateram de todas as formas possíveis, logrando enfraquecê-los, mas nunca destruí-los.
Sabemos que só há uma Sociedade, uma Nação e um Estado forte onde a Família é forte, de sorte que defendemos o revigoramento da Família, baluarte da Ética, da Moral, dos Bons-costumes, da Tradição. Esta última, definida por Herder como a “cadeia sagrada que liga os homens ao passado”, conservando e transmitindo tudo aquilo “que foi feito pelos que os precederam” [6], constitui um princípio estático-dinâmico, como preleciona Arlindo Veiga dos Santos [7], sendo, ademais, uma das principais bases do Integralismo. Faz-se mister frisar, com efeito, que o ilustre jusfilósofo espanhol Francisco Elías de Tejada y Spínola considerou Plínio Salgado o maior pensador tradicionalista do Brasil, ao lado de José Pedro Galvão de Sousa [8], e que Gustavo Barroso bem classificou o Integralismo como “modalidade nacional das doutrinas tradicionalistas e nacionalistas das chamadas Direitas” [9].
É da Família, cellula mater da Sociedade, que nasce o Município, cellula mater da Nação, que constitui, como ressalta René Pena Chaves, uma reunião de famílias autônomas, ligadas entre si por interesses de vizinhança e organizadas politicamente [10].
O Município, unidade política fundamental, sede das famílias e das classes, constituindo uma reunião de moradores que aspiram ao bem-estar e ao progresso da localidade, deve ser autônomo em tudo o que diz respeito a seus peculiares interesses [11].
O Manifesto Municipalista, redigido por Plínio Salgado e lido por Goffredo Telles Junior durante a V Convenção Nacional do Partido de Representação Popular (PRP), em 1948, afirma que, da mesma forma que “a palavra ESPIRITUALISMO resume nossa filosofia, a palavra MUNICIPALISMO resume nossa política” [12].
Consoante salienta o autor de Psicologia da Revolução no referido Manifesto, o Homem só poderá ser feliz quando for livre e somente será “socialmente livre se viver dentro de uma Pátria moralmente grande” [13].
Ora, prossegue Plínio, um País, “como um todo, só é moralmente grande e politicamente forte quando são pujantes os elementos de que ele se compõe” e o Brasil, do ponto de vista administrativo, é dividido em Estados que consistem em criações de natureza política. Caso consideremos, entretanto, a evolução natural de nossa Sociedade, notaremos que a Nação Brasileira é constituída de Municípios formados de maneira espontânea e que são, portanto, “os elementos naturais de que se compõe o corpo da Nação” [14].
É dentro do Município – preleciona o pensador patrício – que “o Brasil palpita e vive”, que nosso povo “vai tecendo sua existência cotidiana”, que “o agricultor cultiva sua terra, o industrial transforma os produtos, o comerciante troca as mercadorias e que os homens de todas as profissões exercem seus misteres”. Assim, a produção, a prosperidade, a riqueza, a saúde, o bem-estar e a cultura dos brasileiros não podem provir senão do Município, que é, deste modo, “a oficina do progresso nacional” [15].
É em torno da União e do Município que giram quase todos os interesses pertinentes aos cidadãos e à Pátria e, como a vida de cada pessoa se encontra profundamente vinculada às condições do Município em que tal pessoa reside, “a grandeza da União se afirma em razão direta da vitalidade dos Municípios, de que ela se compõe” [16].
Isto posto, importa salientar que o federalismo, enquanto forma de Estado, é totalmente contrário à Tradição Nacional, havendo sido sua importação, pela República, um dos maiores crimes de que foi vítima esta Nação, nascida sob o signo da centralização política e da descentralização administrativa e da preponderância da União e do Município sobre a Província.
Havendo cuidado do primeiro Grupo Social de natureza política, passemos ao segundo, que é a Nação.
A Nação, do latim nasci, nascer, é um conceito eminentemente histórico, cultural e racional, sendo caracterizada, antes de tudo, por sua Tradição, que diferencia seu povo em relação aos demais povos da Terra, forjando o caráter da personalidade nacional.
Formada por seus filhos e pelos Grupos Naturais a que estes pertencem e nos quais exercem melhor seus deveres e direitos, a Nação é uma entidade inconfundível, um organismo dotado de fórmula sociológica, vocação e modo de vida próprios, decorrentes de sua formação histórica e social.
A Nação é – consoante preleciona Plínio Salgado – uma continuidade histórica, no Passado, no Presente e no Porvir, um “patrimônio territorial no espaço geográfico”, uma realidade social, uma expressão moral e ética, como conjunto de pessoas, famílias, sindicatos, corporações, municípios. “É a unidade humana diferenciada pelo meio físico, pela estrutura étnica, pelos índices culturais, pelo idioma, pelo temperamento e vocação de um povo”, podendo faltar-lhe um ou mesmo mais de um de tais elementos, como a unidade linguística ou étnica, mas jamais “aquele espírito de grupo a que se refere Durkheim, com certo exagero, mas que nós podemos aceitar nos seus próprios limites” [17].
A Nação é, ainda segundo o autor da Vida de Jesus, “consciência de Tradição, de Atitude e de Destino histórico” [18], se exprimindo politicamente numa personalidade coletiva, que tem consciência de onde veio, de onde está e de para onde deve ir [19].
Por fim, tratemos do Estado, que, como afirmamos há pouco, não é um Grupo Natural, mas sim a síntese espontânea dos Grupos Naturais, que o precederam.
O Estado, assim, como a Sociedade, é, segundo preleciona Heraldo Barbuy, apenas um meio, sendo a Pessoa Humana o verdadeiro fim [20]. No mesmo sentido entendem, dentre outros, Plínio Salgado [21], Goffredo Telles Junior [22], Tristão de Athayde [23], Ataliba Nogueira [24], Machado Paupério [25], Darcy Azambuja [26] e Marcus Cláudio Acquaviva [27].
Diversamente do Estado Ético hegeliano, que se constitui na fonte única da Moral, da Ética e do Direito, o Estado Ético preconizado pelo Integralismo é o Estado transcendido pela Ética e movido por um ideal ético. Ele existe para servir ao Homem e aos Grupos Naturais e não para ser servido por eles ou violentá-los e reconhece os direitos naturais da Pessoa Humana e não os concede como favores.
Notas:
[1] BARBUY, Heraldo. A Família e a Sociedade. In Servir, n° 1297, ano XXVII, São Paulo, 20 de setembro de 1957, p. 75.
[2] Idem, loc. cit.
[3] SALGADO, Plínio. Palavra nova dos tempos novos. 4ª ed. In SALGADO, Plínio. Obras Completas. 2ª ed., vol. VII. São Paulo: Editora das Américas, 1957, p. 236.
[4] Idem, pp. 235-236.
[5] SALGADO, Plínio. Manifesto de Outubro de 1932. In Sei que vou por aqui!, n. 2, São Paulo, setembro-dezembro de 2004, p. X.
[6] HERDER, apud ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução da 1ª ed. brasileira coord. e rev. Por Alfredo Bosi; rev. da trad. e trad. dos novos textos Ivone Castilho Benedetti. 5ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 1150.
[7] SANTOS, Arlindo Veiga dos. Idéias que marcham no silêncio... São Paulo: Pátria-Nova, 1962, p. 43.
[8] “Ninguém havia entendido a Tradição brasileira antes dele [Plínio Salgado], e, depois, convém apenas compará-la com o empreendimento intelectual de José Pedro Galvão de Sousa em nossos dias, se bem que este tenha apurado até às suas últimas conseqüências os planos das raízes tridentinas, filipinas e hispânicas do Brasil, que, aliás, em Plínio Salgado constam também com patente claridade” (TEJADA, Francisco Elías de. Plínio Salgado na Tradição do Brasil. In Plínio Salgado, in memoriam (volume II – autores estrangeiros). São Paulo: Voz do Oeste/Casa de Plínio Salgado, 1986, p. 70.
[9] BARROSO, Gustavo. História do Brasil em quadrinhos. (2ª parte). Desenhos de Wasth Rodrigues. Rio de Janeiro: Editora Brasil-América, 1979, p. 38.
[10] CHAVES, René Pena. Tese apresentada pela Câmara Municipal de Campinas ao II Congresso das Câmaras Municipais do Estado de São Paulo em 12 a 16 de junho na Cidade de Ribeirão Preto relativa ao II item do temário: Estudo da significação e função dos Municípios e das Câmaras Municipais. Campinas: Oficinas Gráficas “Casa Livro Azul”, 1949, p. 7.
[11] SALGADO, Plínio. Manifesto de Outubro de 1932. In Sei que vou por aqui!, n. 2, São Paulo, setembro-dezembro de 2004, p. XI.
[12] SALGADO, Plínio. Manifesto Municipalista do Partido de Representação Popular. Edição da Secretaria Nacional de Propaganda do PRP, s/d, p. 3.
[13] Idem, loc. cit.
[14] Idem, loc. cit.
[15] Idem, pp. 3-4.
[16] Idem, p. 4.
[17] Idem. Direitos e deveres do Homem. 1ª ed. Rio de Janeiro: Livraria Clássica Brasileira, 1950., pp. 129-130.
[18] Idem, p. 134.
[19] Idem, p. 132.
[20] BARBUY, Heraldo. A Família e a Sociedade. In Servir, n° 1297, ano XXVII, São Paulo, 20 de setembro de 1957, p. 77.
[21] SALGADO, Plínio. Madrugada do Espírito. 4ª ed. In SALGADO, Plínio. Obras Completas, 2ª ed., vol. VII. São Paulo: Editora das Américas, 1957, p. 443.
[22] TELLES JUNIOR, Goffredo. Justiça e Júri no Estado Moderno. São Paulo: Empresa Gráfica da Revista dos Tribunais, 1938, p. 31.
[23] ATHAYDE, Tristão de. Política. Rio de Janeiro: Livraria Católica, 1932, p. 77.
[24] NOGUEIRA, J. C. Ataliba. O Estado é um meio e não um fim. 1ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1940, p. 113.
[25] PAUPÉRIO, A. Machado. Teoria Geral do Estado. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, pp. 68-70.
[26] AZAMBUJA, Darcy. Teoria Geral do Estado. 38ª ed. São Paulo: Globo, 1998, p. 122.
[27] ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Teoria Geral do Estado. 2ª ed., revista e aumentada. São Paulo: Editora Saraiva, 2000, p. 83.